O Brasil adotou, desde a instauração de sua primeira República (1891), o sistema de jurisdição única, ou seja, o de controle administrativo pela Justiça Comum. Daí a afirmativa peremptória de Ruy, sempre invocada como interpretação autêntica da nossa primeira Constituição Republicana: "Ante os arts. 59 e 60 da nova Carta Política, é impossível achar-se acomodação no Direito brasileiro para o contencioso administrativo".
As Constituições posteriores (1934, 1937, 1946 e 1969) afastaram sempre a ideia de uma Justiça administrativa coexistente com a Justiça ordinária, trilhando, aliás, uma tendência já manifestada pelos mais avançados estadistas do Império, que se insurgiram contra o incipiente contencioso administrativo da época. A EC 7/77 estabeleceu a possibilidade da criação de dois contenciosos administrativos (arts. 11 e 203), que não chegaram a ser instalados e que com a Constituição de 1988, ficaram definitivamente afastados.
A orientação brasileira foi haurida no Direito Público Norte-Americano, que nos forneceu o modelo para a nossa primeira Constituição Republicana, adotando todos os postulados do rule of law e do judicial control da Federação coirmã. Essa filiação histórica é de suma importância para compreendermos o Direito Público Brasileiro, especialmente o Direito Administrativo, e não invocarmos inadequadamente princípios do sistema francês como informadores do nosso regime político-administrativo e da nossa organização judiciária quando, nesses campos, só mantemos vinculação com o sistema anglo-saxônico.
Tal sistema, já o conceituamos, mas convém repetir, é o da separação entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, vale dizer, entre o administrador e o juiz. Com essa diversificação entre a Justiça e a Administração é inconciliável o contencioso administrativo, porque todos os interesses, quer do particular, quer do Poder Público, se sujeitam a uma única jurisdição conclusiva: a do Poder Judiciário. Isto não significa, evidentemente, que se negue à Administração o direito de decidir. Absolutamente, não. O que se lhe nega é a possibilidade de exercer funções materialmente judiciais, ou judiciais por natureza, e de emprestar às suas decisões força e definitividade próprias dos julgamentos judiciários (res judicata).
Neste ponto, a doutrina é pacífica em reconhecer que o sistema de separação entre a Justiça e a Administração torna incompatível o exercício de funções judiciais (não confundir com jurisdicionais, que tanto podem ser da Administração como da Justiça) por órgão administrativos, porque isto não seria separação, mas reunião de funções.
Entre nós, como nos Estados Unidos da América do Norte, vicejam órgãos e comissões com jurisdição administrativa, parajudicial, mas suas decisões não têm caráter conclusivo para o Poder Judiciário, ficando sempre sujeitas a revisão judicial.
Para a correção judicial dos atos administrativos ou para remover a resistência dos particulares às atividades públicas a Administração e os administrados dispõem dos mesmos meios processuais admitidos pelo Direito Comum, e recorrerão ao mesmo Poder Judiciário uno e único - que decide os litígios de Direito Público e de Direito Privado (CF, art. 5.º, XXXV). Este é o sentido da jurisdição única adotada no Brasil.
Por Hely Lopes Meirelles.
Comentários