Para o professor José dos Santos Carvalho Filho, diversos são os sentidos do termo "estado", e isso porque diversos podem ser os ângulos em que pode ser enfocado.
No sentido, porém, de sociedade política permanente, a denominação "Estado" surge pela primeira vez no século XVI na obra "O Príncipe", de Maquiavel, indicando, no entanto, as comunidades formadas pelas cidades-estado.
Discutem os pensadores sobre o momento em que apareceu o Estado, ou seja, qual a precedência cronológica: o Estado ou a sociedade. Informa-nos DALMO DALARI que para certa doutrina o Estado, como a sociedade, sempre existiu; ainda que mínima pudesse ser, teria havido uma organização social nos grupos humanos.
Outra doutrina dá à sociedade em si precedência sobre a formação do Estado: este teria decorrido de necessidade ou conveniência de grupos sociais.
Uma terceira corrente de pensamento ainda retarda o nascimento do Estado, instituição que só passaria a existir com características bem definidas.
A matéria tem seu estudo aprofundado na Teoria Geral do Estado, ai, portanto, devendo ser desenvolvida. O que é importante para o presente estudo é o fato, atualmente indiscutível, de que o Estado é um ente personalizado, apresentando-se não apenas exteriormente, nas relações internacionais, como internamente, neste caso como pessoa jurídica de direito público, capaz de adquirir direitos e contrair obrigações na ordem jurídica.
O novo Código Civil atualizou o elenco de pessoas jurídicas de direito púbico, mencionando entre elas as pessoas que, por serem federativas, representam cada compartimento interno do Estado federativo brasileiro: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 41, I a III).
Diversamente, porém, do que ocorria sob a égide do Código anterior, o Código vigente alude expressamente aos Territórios, pondo fim à controvérsia sobre o assunto e confirmando-os como pessoas jurídicas de direito público, conforme já registrava a doutrina dominante, muito embora sem autonomia política e sem integrar a federação, cono se infere do art. 18 da CF, que a eles não alude. Cuida-se, com efeito, de mera pessoa administrativa descentralizada (para alguns com a natureza de autarquia federal), integrante da União e regulada por lei complementar federal (art. 18, § 2.º, da CF).
Em nosso regime federativo, por consequência, todos os componentes da federação materializam o Estado, cada um deles atuando dentro dos limites de competência traçados pela Constituição.
A evolução da instituição acabou culminando no surgimento do Estado de direito, noção que se baseia na regra de que ao mesmo tempo em que o Estado cria o direito, deve sujeitar-se a ele. A fórmula do rule of law prosperou de tal forma que no mundo jurídico ocidental foi ela guindada a verdadeiro postulado fundamental.
Poderes e Funções
Compõe-se o Estado de Poderes, segmentos estruturais em que se divide o poder geral e abstrato decorrente de sua soberania.
Os Poderes do Estado, como estruturas internas destinadas à execução de certas funções, foram concebidos por Montesquieu em sua clássica obra (De l'Esprit des Lois - O Espírito das Leis), pregando o grande filósofo,com notável sensibilidade política para a época (Século XVIII), que entre eles deveria haver necessário equilíbrio, de forma a ser evitada a supremacia de qualquer deles sobre o outro.
Os Poderes de Estado figuram de forma expressa em nossa Constituição: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2.º).
A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função. Assim, ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional.
Entretanto, não há exclusividade no exercício das funções pelos Poderes. Há, sim, preponderância. As linhas definidoras das funções exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição.
Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize.
O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV e 52, XIII, da CF).
O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no exercício de função normativa, como na elaboração dos regimentos internos dos Tribunais (art. 96, I, "a", da CF), e de função administrativa, quando organiza os seus serviços (art. 96, I, "a", "b", "c"; art. 96, II, "a", "b", etc.).
Por fim, o Poder Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função administrativa, desempenha também função atípica normativa, quando produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através de seu poder regulamentar (art. 84, IV, CF), ou, ainda, quando edita Medidas Provisórias (art. 62, CF) ou leis delegadas (art. 68, CF).
Quanto à função jurisdicional, o sistema constitucional pátrio vigente não deu margem a que pudesse ser exercida pelo Executivo. A função jurisdicional típica, assim considerada aquela por intermédio da qual conflitos de interesses são resolvidos com o cunho de definitividade (res iudicata), é praticamente monopolizada pelo Judiciário, e só em casos excepcionais, como visto, e expressamente mencionados na Constituição, é ela desempenhada pelo Legislativo.
Em relação à tipicidade ou atipicidade das funções, pode suceder que determinada função se enquadre, em certo momento, como típica e o direito positivo venha a convertê-lo em atípica, e vice-versa. Exemplo elucidativo ocorreu com a edição da Lei n. 11.441, de 04.01.2007, que alterou o Código de Processo Civil. Inventário, separação consensual e divórcio consensual sempre constituíram função jurisdicional atípica, porque, a despeito de retratarem função administrativa, tinha que ser processados e finalizados pelo juiz, ainda que inexistisse litígio entre os interessados. A citada lei, no entanto, passou a admitir que o inventário e a partilha (quando os interessados são capazes e concordes), bem como a separação consensual e o divórcio consensual (quando não há filhos menores ou incapazes) possam ser realizados por simples escritura pública em Ofício de Notas comum, servindo o título para o registro público adequado. Com tal inovação, o que era função jurisdicional atípica, passou a caracterizar-se como função administrativa típica.
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